Roteiro Interativo

VI Mostra de Teatro - Adulto I

CENA 1: PRAÇA DE SÃO CAETANO DE ODIVELAS

A cena começa com as fofoqueiras da cidade, Francisca, Mundica e Ruth, observando o movimento na praça, prontas para comentar sobre a vida alheia.

FRANCISCA:

(esticando o pescoço, cochichando) Ô Ruth, olha lá quem vem chegando, aquela não é a salafrária que não perde uma farra aqui em Odivelas?

MUNDICA:

(afastando o leque, rindo) Já ouvi dizer que ela veio de Belém sem lugar pra ficar de novo e que ela tá atrás de uma casa pra se arrumar. Vai botar máscara de Pirrot pra aprontar e ninguém descobrir as sem-vergonhices dela.

RUTH:

(escandalizada) É muita petulância! Vem lá de Belém para criar alvoroço aqui na nossa cidade, vocês não acham? Ei, tá faltando uma carta aqui do meu baralho, hein Mundica? Foste bem tu que pegaste, né?

(Enquanto falam, a moça sem vergonha atravessa a praça com jeito ousado, olhando de lado para as casas.)

MUNDICA:

(balançando a cabeça) Essas modernidades… no meu tempo, mulher não podia nem brincar, tu lembras?

FRANCISCA:

(Ficando nervosa) Claro que lembro. A diversão dos cabeçudos, pirrots, ser perna e tudo mais ficava só para os homens…

RUTH:

E temos que levantar as mãos pros céus por isso, minhas vizinhas, porque isso nos fez crescer com modos, né?

MUNDICA:

Falando em levantar as mãos pros céus, te falei que meu neto vai ser o vaqueiro hoje?

FRANCISCA:

Teu neto, o Zé? Olha só, tem que ter coragem pra ser vaqueiro, né?

MUNDICA:

Eu não acho que ele lida muito bem não, tive a sensação de ver ele chorando pelos cantos

RUTH:

Oh, bichinho. E tu deixaste ele ficar assim? Coitado.

MUNDICA:

É tradição da família, meu marido era, o pai dele era, e agora ele é

FRANCISCA:

Ele é?

RUTH:

Vaqueiro.

(Nesse momento, Fernandinha, elegante, vestida de forma comportada, atravessa a praça e acena para as velhinhas.)

FERNANDINHA:

(sorridente) Boa tarde, vizinha!

FRANCISCA:

(derretida) Boa tarde, minha filha, boa tarde! Que Deus te conserve assim! Me diga, minha filha, como anda a sua mãe?

FERNANDINHA:

Ah, ela tá bem, obrigada. A novena será lá em casa, viu?

MUNDICA:

(admirada) Olha, essa sim é um exemplo. Miss São Caetano de Odivelas, orgulho da cidade. Não é como certas outras por aí

RUTH:

Mas, me diga… E o Jorge Feitosa, por onde anda seu namoradinho?

FRANCISCA:

(suspiros longos) Ah, é de uma boa família, né, o Feitosa. E como ele tá? Olha, minha filha, não é fofoca, pelo amor de Deus que nós somos honestas.

RUTH:

É, minha filha. A gente jamais falaria dos outros pelas costas, olha, Francisca, tô até me tremendo

FERNANDINHA:

É, então, minhas senhoras… (tenta se sair do diálogo quando Ricardão entra em cena) Ah, Ricardão! Você por aqui!!

RICARDÃO:

(beija mão de Fernandinha) Eu te sigo por onde for, minha linda.

FRANCISCA:

Fernandinha, quem é esse rapaz?

RUTH:

Francisca, esse é o rapaz que eu aluguei a casa!

RICARDÃO:

(Beija a mão das senhoras) Senhoras, eu sou o Ricardo, mas podem me chamar de Ricardão. Sou lá da federal. Vim fazer umas pesquisas por aqui e me encantei pelo meu objeto de estudo, São Caetano de Odivelas é llindssima, realmente (fala olhando para fernandinha)

FERNANDINHA:

Ah, Ricardão!

FRANCISCA:

Eita, eita. Vamos apressar as coisas aqui que a festa esse ano vai dar o que falar, vão arranjar o que fazer, vão…

CENA 2: BAR

A cena se desloca para o bar local, onde os preparativos e as tensões para a festa do Boi de Máscaras começam a se desenrolar.

LUIZ:

Mano, sabe que dia é hoje? Zé vai ser vaqueiro pela primeira vez!

DONO DO BAR:

E teu tá pronto, né? Ser o antagonista do boi não é pra qualquer um

LUIZ:

Ai dele que não esteja!

DONO DO BAR:

Eu tava lembrando… Tu fostes vaqueiro desde a época em que tu era pescador! Muita coragem largar tudo e vir ser artesão aqui em Odivelas.

LUIZ:

Ou nem me fale!

(Enquanto isso, em um canto diferente da cena)

RICARDÃO:

Então quer dizer que o Boi de máscaras é uma festa tradicional daqui de Odivelas?

CRIS:

A festa da cidade de São Caetano de Odivelas foi iniciada nos anos 30 e passou a se repetir todos os anos, desde então traz o boi de quatro pernas, a orquestra e o cortejo dos personagens mascarados misturado aos espectadores, como em uma grande cena coletiva ao ar livre.

RICARDÃO:

Mas dá pra curtir também? Tu sabes… conhecer uma outra moleca?

CRIS:

Dá sim! Mas diante de toda essa cultura tu só quer saber disso, cara?

RICARDÃO:

E, me diz, essa daqui, tu conheces?

CRIS:

Ih, rapaaz. Conheço, mas tu chegaste hoje na cidade, como tu conseguiu? Só não te mete em encrenca!

RICARDÃO:

Ei mano, deixa com o pai…

DONO DO BAR:

(resmungando) Sei que é dia de festa junina, mas abusar da minha paciência já é sacanagem!

(Entra Jorge, bêbado no Bar)

JORGE:

(abraçando o Ricardão) Perdi a melhor mulher da minha vida, amigo! Cara, ela era tudo pra mim! Ela veio me dizer que quer ser livre!

RICARDÃO:

(faz uma careta) Livre? Mulher quando vem com essa, tu já sabes, né?

JORGE:

Ela queria mais o que? Eu ia buscar ela de moto nos lugares todinhos, acompanhava ela em toda missa de domingo, todos os passeios na praça eu vinha, quando ela queria ir no balneário com os pais, eu me convidava. Até no grupo de WhatsApp das amigas dela eu tô.

RICARDÃO:

Isso meu amigo, é um problema sério na sociedade, e sabes qual seria a solução? O fim da monogamia! Para que botar as rédeas em uma, se tu podes botar as rédeas em várias?

JORGE:

Mas aí acaba a emoção de trair!

RICARDÃO:

Eu sei mano, mas tu pode experimentar novas cores, sabores! Novas namoradas! A sua namorada pode ser a nossa namorada!

JORGE:

Pera que história é essa? Minha Fernandinha!

RICARDÃO:

Pera, Fernandinha?

JORGE:

Sim, minha Fernandinha! Tu viu ela por aí? A minha mulher é minha, a Fernandinha é meu amor.

RICARDÃO:

Fernandinha??? Cara, deixa eu te falar uma coisa: irmão,tu tem que lutar por amor!

CRIS:

Ei irmão, já vai começar!

(O Som da banda vai aumentando e alguém grita que o Boi está chegando. Os brincantes vão enchendo a praça e o foco da cena vai para o Vaqueiro)

PESSOAS NA PRAÇA:

Zé! Vem cá, vamos beber! Vem brincar com a gente!

(Ele responde com sorrisos e abraços. Então vai para o canto vestir a fantasia. Assim que volta caracterizado de vaqueiro, a atitude da praça muda completamente.)

MULTIDÃO:

(vaiando e gritando) Uuuuh, o Boi vai te pegar! Vai levar chifre!

(Zé tenta disfarçar a tristeza, mas o peso da tradição pesa sobre ele.)

VAQUEIRO (ZÉ):

(Vira para um amigo) Eu venho de uma linhagem de vaqueiros! Mas o link em velha podre! As pessoas só sabem criticar! Queria só uma vez brincar sendo a perna de boi… saber como é ser amado.

EX-NAMORADO:

A PERNA DO BOI CHEGOU! Pode deixar que tá tudo sobre controle. (Falando com todo mundo do bar)

VAQUEIRO (ZÉ):

O Jorge, vem cá, tu não acha que já bebeu demais

EX-NAMORADO:

Que nada! Vou beber mais. Aê, a próxima rodada é por minha conta. Sabe por que? A minha mulher me deixou.

(Todos brindam brincando. Após isso, saem gradativamente até ficar somente o vaqueiro e o ex na cena.)

VAQUEIRO (ZÉ):

Não, você não tá em condições de ir, amigo. Você tá muito cansado, fica aí, descansa um pouco.

EX-NAMORADO:

Só cinco minutos! Depois você me chama hein!

VAQUEIRO (ZÉ):

Tá bem, fica aqui reparando as minhas coisas. (Entrega a roupa de vaqueiro para Jorge que dorme alcoolizado, e logo em seguida vai agora o cortejo e pega e veste o boi.)

CENA 3

A festa começa, mas o boi está estranhamente parado, gerando confusão e revelações que mudarão o rumo da tradição.

(o cortejo vê o boi se erguendo na praça, vem em seu encontro e se inicia a festa. Os brincantes dançam ao redor do boi, que com o tempo percebem que ele não está andando.)

RICARDÃO:

Então vocês terminaram mesmo né? Poxa mas que pena né?

FERNANDINHA:

É, não tem mais volta não. Mas fica tranquilo que ele não ver a gente não. Ele é perna do boi. Olha lá ele não consegue ver nada lá de dentro (apontando pro boi).

CRIS:

Égua! Tem alguma coisa estranha…

MUNDICA:

Menino eu já vi! Esse boi tá parado não tá andando!

CRIS:

Eita que o Jorge tá estranho…

LUIZ:

Acho que ele ainda tá bêbado!

FRANCISCA:

Já estamos há um tempão no mesmo lugar, mas que demora!

MUNDICA:

Bora Jorge! Esse boi tem que andar!

RUTH:

Vixi, esse boi não tá andando não? Deixa eu ver! Claro que não tá andando, não tem vaqueiro! Cadê o Zé?

LUIZ:

Cadê esse menino?

(A perna do boi começa a tremer, chega então Jorge, completamente bebado segurando as roupas de vaqueiro)

EX-NAMORADO:

Vamos lá, gente. Eu já tô pronto! Ué, vocês começaram sem mim? (Percebe que que seu novo amigo está acompanhado de Fernandinha) FERNANDINHA? Meu amor você ta me traindo??

FERNANDINHA:

Que traindo que nada! A gente terminou antes de ontem! Supera!

RICARDÃO:

Poxa cara! Pensei que a gente era irmão, família divide tudo cara!

JORGE:

Vou é dividir essa tua cara no meio! Ela é minha cara!

RICARDÃO:

Ela era tua cara, agora ela é NOSSA!

FERNANDINHA:

PAREM DE BRIGAR! vocês dois ficam me disputando como se eu fosse um troféu! Sou eu quem tomo minhas decisões! E eu não quero nem um dos dois!

JORGE:

Égua, como assim cara! Depois de tudo que eu fiz por ti?

RICARDÃO:

(Acolhendo JORGE) É mano! Mulher é tudo igual, a gente quer dar o mundo pra elas e elas tratam a gente assim, sabe? Mas acho que é isso, nosso problema é amar de mais sabe…

CRIS:

Mas, espera aí, se o Jorge tá aqui, então quem tá ali? (Zé saindo do boi e mostra que era ele, chocando a todos)

TODOS:

Zé Vaqueiro????

CRIS:

Tá vendo? Na época do meu avô, seu Honório, fundador do Boi Benzido, isso jamais teria acontecido! Isso aqui virou uma bagunça.

FRANCISCA:

Então era por isso que não tava andando! O Zé nem sabe ser BOI!

ZÉ VAQUEIRO:

(Indignado) Sim, sou eu! E vocês nunca me deram uma oportunidade! Eu cansei de ser esculachado por vocês todo ano por essa história de ser vaqueiro! Eu só queria saber como é estar aí do outro lado, ser aplaudido, amado pela plateia. E como vocês nunca me deram uma oportunidade, eu tive que criar a minha!

LUIZ:

Filho! Mas é a tradição! Eu fui por anos, agora é tua vez! Não foi assim que eu te criei! Te ensinei a ser responsável e honrar a palavra!

ZÉ VAQUEIRO:

Que nada! O senhor odiava! Eu via no seu rosto que o senhor detestava!

LUIZ:

Podia até não ser o papel mais amado da festa!! E no final o que importa é manter a cultura viva!

CRIS:

Todo mundo sabe que a gente te ama! Né, pessoal?

(Todos respondem que sim!)

EX-NAMORADO:

Nossa, eu não sabia que tu estavas tão mal com isso, mano! O boi é só uma brincadeira.

ZÉ VAQUEIRO:

Mas é uma brincadeira séria. E digo outra, pra ser brincadeira tem todo mundo que se divertir! Poxa…

FRANCISCA:

Ahh tadinho do Zé, por mim a gente deixa ele ser perna dessa vez!

MUNDICA:

É, o Jorge tá mais pra lá do que pra cá mesmo!

RUTH:

Jorge já foi boi por tempo demais! Já até nasceu chifre! (Hehehe)

EX-NAMORADO:

Eu to 100%! Inclusive, se tu vai ser perna então eu vou ser o vaqueiro! Já to até com a roupa! Mas olha, tem que andar!

ZÉ VAQUEIRO:

E então eu posso ser perna?

TODOS:

PODE ZÉ!